Especialistas debatem como a dor emocional pode piorar quadros de quem convive com doenças crônicas

O ano passado chegou ao fim como um extenso período de perdas para muita gente, no Brasil e no mundo, devido a covid-19, tais como poder financeiro, trabalho, casa e pessoas. Perdas essas que, para quem já convive com doenças crônicas, somam para agravar crises – especialmente as dolorosas.

“Novas experiências, a exemplo do lockdown, o home office, bem como o enfrentamento de situações como mudanças de hábitos, isolamento social e incertezas, levaram a maior parte da população a viver em constante condição de estresse, ocasionando um esgotamento emocional que têm influência muito próxima no surgimento e manutenção de diferentes condições médicas”, conta a psicóloga e diretora administrativa da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), Dra. Dirce Maria Navas Perissinotti.

O processo inverso também ocorre, em que uma dor física gera impacto no aspecto emocional, especialmente se ele já estiver comprometido. Como exemplo, uma pessoa em um momento de crise dolorosa de média intensidade pode vê-la se intensificar ao receber uma notícia ruim.

Indivíduos emocionalmente deprimidos, que estejam passando por muita tensão ou estafa mental, tendem a sentir os processos dolorosos da ordem física com mais intensidade. E para os que já têm a dor crônica em sua rotina, a carga acaba sendo dobrada, como casos de pessoas com fibromialgia, neuralgia do trigêmeo, neuropatia, distonia, entre outras doenças crônicas.

O que é a dor emocional?

De acordo com a Dra. Perissinotti, a dor emocional, mental ou psicológica é descrita por um sentimento ou emoção desagradável não-físico, em resposta à condição de vida ou física. A intensidade e frequência dos motivos que a provocam são determinantes no quanto o indivíduo pode senti-la.

“A dor emocional é capaz até mesmo de induzir alterações fisiológicas, uma vez que as emoções têm sua sede no corpo biológico. As reações emocionais baseiam-se na fisiologia, o funcionamento físico, orgânico, mecânico e bioquímico dos seres vivos, e são dependentes dela. Assim, as dores emocionais induzem alterações bioquímicas cerebrais e periféricas e são influenciadas em mecanismo de retroalimentação”, relata a especialista.

Ainda segundo ela, existe uma área de estudos bastante ampla que se dedica, desde a metade do século XX ao acompanhamento de determinantes comportamentais que facilitam ou alteram o curso das doenças. O campo da Psicologia da Saúde vem contribuindo ao mapear elementos, sejam sociais ou individuais, para pensar numa melhor condução de tratamentos – e até mesmo de cura – das condições médicas.

Como diferenciar os componentes emocionais e físicos da dor?

As reações corporais são um bom indicativo de que a dor emocional pode estar exacerbada. Tremores, sudorese, queda ou elevação da pressão arterial e extremidades do corpo mais frias são indícios de reações ao estresse físico e emocional causado pela dor.

“Há, na verdade, uma tentativa do organismo para se equilibrar. As reações emocionais servem para manter o corpo bem adaptado às situações, algo que o convoca a reagir de maneira mais eficiente. No entanto, quando esse processo se exacerba e o físico se sobrecarrega”, pontua Dra. Perissinotti.

Dentre os sinais de sofrimento emocional gerados por estresse físico, como doenças e mudanças de hábitos envolvidos nele, estão:

– Alterações temporárias no estilo de personalidade, de maneira que o comportamento habitual pareça diferente, como se não fosse daquela pessoa;

– Agitação ou exibição de raiva, ansiedade ou mau humor que, até então, não eram observados;

– Isolamento social ou postura de evitar situações que eram prazerosas;

– Mudanças no autocuidado e envolvimento em condições de risco não habituais;

– Desesperança ou sentimentos de inutilidade.

Por estes sinais, compreende-se a importância de integrar ao tratamento das doenças crônicas o profissional da área da saúde mental, atuando com recursos específicos para o melhor atendimento da base emocional que, inclusive, irá somar na adesão e resultados das demais terapias para as doenças de base.

Independentemente dos fatores de somatização que possam estar exacerbando a percepção da dor física, como os já citados em relação aos causados pela pandemia atual, o importante é nunca subestimar o sofrimento relatado pelo paciente, pois ele representa o que de fato ele está sentido e o impacto em sua qualidade de vida.

O tratamento para a dor resistente

Diversas pesquisas e estudos de grupo apontam que o tripé constituído por medicação, condicionamento físico e suporte psicológico é o melhor tratamento para controle da dor crônica.

Em casos extremos, onde as terapias convencionais não são suficientes para o alívio das crises dolorosas, procedimentos minimamente invasivos são opções modernas e eficientes. Para escolha do método, são levados em consideração o perfil da doença, grau da dor e impacto funcional no cotidiano. Entretanto, todas apresentam uma resposta significativa e auxiliam na retomada das atividades, oferecendo mais autonomia e qualidade de vida.

Dentre os procedimentos que podem somar tanto para as dores físicas quanto as emocionais, estão os chamados neuromoduladores, onde se incluem a estimulação elétrica transcraniana e estimulação cerebral profunda, e que podem ser indicados para ambos os aspectos.

Tratam-se de procedimentos que visam mudar o padrão de resposta do cérebro às diferentes disfunções. O mecanismo de atuação é o mesmo para todos os casos, mudando apenas o alvo a ser acessado.

Para os casos de tratamento das dores emocionais, mais precisamente a depressão profunda e refratária aos tratamentos convencionais, é preciso um acompanhamento estreito do paciente pelo profissional da área da saúde mental antes e depois do tratamento.

Para entender mais o universo da dor e seus aspectos multidisciplinares, criei o podcast Neuro em Dia, destinando diferentes temas a cada episódio.